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RELAÇÕES COMERCIAIS BRASIL – MERCOSUL NO SÉCULO XXI

As tratativas para uma integração bilateral entre Brasil e Argentina remetem-se a 1985, quando os presidentes brasileiro e argentino assinaram a Declaração de Iguaçu. Essa integração parcial, entre os dois países, marcou o início de um processo de integração mais amplo e que se denominou Mercado Comum do Sul – Mercosul.

O Tratado de Assunção, assinado em 26/03/1991, estabeleceu as bases para a instalação de um mercado comum integrando Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Com o Protocolo de Brasília, assinado em 17/12/1991, instalou-se o Sistema de Solução de Controvérsias e, assim, as relações do bloco se fortaleceram com base na justiça e na equidade.

Com o Protocolo de Ouro Preto, assinado em 12/12/1994, e diante da necessidade de se possuir uma legislação aduaneira comum, criou-se a Tarifa Externa Comum – TEC, que passou a vigorar a partir de 01/01/1995 e caracterizou essa integração como uma União Aduaneira.

Em 18/02/2002, com a assinatura do Protocolo de Olivos, obteve-se o aperfeiçoamento do sistema de solução de controvérsias. Esse ato representou um marco para a segurança jurídica no âmbito do Mercosul, e, assim, se reforça a proposta de uma análise das relações comerciais brasileiras a partir deste século.

Tabela 1 – Balança Comercial Brasil – Mercosul – Em US$ bilhões

ANO EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES SALDO
2001 6.353.912 7.004.462        – 650.550
2002 3.306.238 5.607.959     – 2.301.721
2003 5.670.483 5.684.829          – 14.346
2004 8.908.731 6.389.998 2.518.733
2005 11.791.244 7.056.255 4.734.989
2006 13.978.998 8.966.521 5.012.477
2007 17.345.607 11.623.479 5.722.128
2008 21.729.785 14.934.730 6.795.055
2009 15.824.962 13.107.936 2.717.026
2010 22.585.784 16.618.980 5.966.804
2011 27.843.239 19.375.148 8.468.091
2012 22.788.357 19.239.847 3.548.510
2013 24.680.108 19.269.371 5.410.737
2014 20.416.056 17.271.174 3.144.882
2015 17.993.210 12.385.288  5.607.922
2016 18.382.010 11.591.916  6.790.094
2017 22.613.167 11.892.347 10.720.820
2018 20.905.615 13.368.427  7.537.188

Fonte: Ministério da Economia, Comércio Exterior e Serviços – Séries Históricas – Blocos e Países. Disponível em http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/series-historicas, acesso em 20/03/2019.

A tabela 1 mostra que as relações comerciais do Brasil com o Mercosul, no início do período analisado, apresentaram saldo deficitário na balança comercial até 2003.

Tais déficits podem ser explicados pela dificuldade econômica que assolou a Argentina, em função de intensa agitação política – no curto espaço de 12 dias (entre 22/12/2001 e 02/01/2002) houve três presidentes da república –, e, pelo receio do meio empresarial com a posse de governantes progressistas nos principais países da América do Sul.

A partir de 2004, com o Brasil sob a nova política externa adotada pelo governo Lula, o saldo da balança comercial se tornou superavitário e o volume da balança comercial Brasil/Mercosul aumentou significativamente, com maior ênfase nas exportações.

Sobre a nova política externa adotada no Brasil, convém citar duas afirmações de Celso Amorim (em AMORIM, C. Política Externa do Governo Lula: os dois primeiros anos. Análise de Conjuntura do Observatório Político Sul-Americano. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas, 2005. Disponível em http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-das-relacoes-exteriores-artigos/7721-artigo-publicado-na-analise-de-conjuntura-do-observatorio-politico-sul-americano-do-instituto-universitario-de-pesquisas-do-rio-de-janeiro-intitulado-politica-externa-do-governo-lula-os-dois-primeiros-anos) – na época Ministro das Relações Exteriores – que explicam a mudança de foco do governo brasileiro em relação ao mercado internacional, de forma geral, e ao Mercosul, de forma específica:

 

  1. “O fortalecimento do Mercosul e o aprofundamento da integração sul-americana vêm de ser coroados por dois fatos de grande transcendência. A reunião de Presidentes da América do Sul, em Cusco, que deu origem à Comunidade Sul-Americana de Nações, representa um avanço concreto e não apenas simbólico (embora o simbólico também faça parte da política)”.

 

  1. “… mostrou que a coordenação Sul-Sul não é um objetivo irrealista ou ultrapassado, e que pode ocorrer sem ser movida por razões ideológicas, mas por uma visão pragmática, baseada em interesses concretos e legítimos”.

 

Embora o fortalecimento do Mercosul, como uma das prioridades da nova política externa, tenha propiciado um considerável aumento das exportações brasileiras intrabloco, a orientação da política externa para o eixo sul-sul trouxe várias consequências desfavoráveis às relações comerciais do Brasil com o resto do mundo.

 

 

Tabela 2 – Exportações brasileiras para principais destinos – % sobre o valor total exportado

ANO UE EUA CHINA* MERCOSUL ÁFRICA ORIENTE

MÉDIO

OUTROS
2001 26.7 24.3 4.1 10.9 3.5 3.4 27.1
2002 25.9 25.4 5.0 5.5 3.9 3.9 30.4
2003 25.7 22.9 7.2 7.8 3.8 3.9 28.7
2004 25.6 20.8 6.4 9.2 3.8 4.4 29.7
2005 22.8 19.1 6.5 9.9 3.6 5.0 33.0
2006 22.6 17.8 6.8 10.2 4.2 5.4 33.0
2007 25.2 15.6 7.5 10.8 4.0 5.3 31.5
2008 23.5 13.9 9.3 11.0 4.1 5.1 33.1
2009 22.4 10.2 14.9 10.3 4.9 5.7 31.5
2010 21.5 9.6 16.1 11.2 5.2 4.6 31.9
2011 20.8 10.1 18.2 10.9 4.8 4.8 30.5
2012 20.3 11.0 18.0 9.4 4.8 5.0 31.5
2013 19.7 10.2 20.4 10.2 4.5 4.6 30.4
2014 18.7 12.0 19.5 9.1 4.6 4.3 31.8
2015 17.8 12.6 19.7 9.4 5.2 4.3 31.0
2016 18.0 12.5 20.2 9.9 5.5 4.2 29.7
2017 16.0 12.3 23.0 10.4 5.4 4.3 28.5
2018 17.6 12.0 27.9 8.7 4.1 3.4 26.3

 

*Inclui Hong Kong e Macau

Fonte: Ministério da Economia, Comércio Exterior e Serviços – Séries Históricas – Blocos e Países. Disponível em http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/series-historicas, acesso em 20/03/2019.

Pela tabela 2 pode-se verificar que as exportações brasileiras para o Mercosul, a despeito da prioridade estabelecida a partir de 2003, mantiveram-se em torno de 10% sobre o volume total exportado. Talvez os países integrantes do Mercosul não tenham considerado o Brasil um parceiro capaz de atender as necessidades gerais dessas economias.

Além disso, constatam-se significativas modificações no destino das exportações brasileiras ao longo do período analisado, sintetizadas com as seguintes observações:

 

  1. Em 2001, as exportações brasileiras destinadas para UE e EUA representavam 51%, enquanto que o conjunto de destinos definidos como prioritários (Mercosul, China, África e Oriente Médio) somaram 21,9%;

 

  1. Em 2018, essa mesma observação mostra que o destino UE/EUA caiu para 29,6% e os prioritários subiram para 44,1%.

A diminuição da participação nos mercados europeu e norte-americano, e consequente domínio da China como principal destino das exportações brasileiras (como se verifica na tabela 2), induzem a uma análise complementar sobre o tipo de produto que o país está oferecendo aos diferentes mercados internacionais.

Tabela 3 – Exportações brasileiras totais por setores de atividades

ANO EXPORTAÇÕES TOTAIS (US$ bi) PROD.     PRIMÁRIOS (%) * PROD. INDUSTRIALIZADOS (%) ** OUTROS PRODUTOS (%) OPERAÇÕES ESPECIAIS (%) ***
2001 58.128.223 27.6 55.8 16.5 0.22
2002 60.290.491 27.8 55.5 16.7 0.18
2003 72.975.027 29.2 55.0 15.8 0.15
2004 96.332.184 28.8 55.4 15.8 0.14
2005 118.692.857 28.7 56.9 14.3 0.13
2006 137.708.097 28.0 57.2 14.8 0.13
2007 160.521.883 28.8 56.5 14.8 0.12
2008 197.778.858 33.0 53.9 13.1 0.11
2009 152.910.580 38.7 46.4 14.9 0.12
2010 201.788.337 41.2 45.6 13.2 0.10
2011 255.936.307 43.4 44.6 12.0 0.09
2012 242.277.307 40.5 45.6 13.8 0.10
2013 241.967.562 43.2 43.1 13.7 0.10
2014 224.974.401 43.5 43.5 13.0 0.11
2015 190.971.087 40.9 43.7 15.4 0.10
2016 185.232.116 41.0 43.8 15.2 0.10
2017 217.739.218 41.9 44.1 14.0 0.08
2018 239.889.170 41.2 46.3 12.5 0.06

* Compreende os seguintes produtos: complexo soja; minérios metalúrgicos; todos os tipos de carne; celulose; café em grão; açúcar bruto; fumo.

** Compreende os seguintes produtos: material de transporte e componentes; petróleo e derivados; produtos das indústrias químicas; máquinas, aparelhos e instrumentos mecânicos; produtos metalúrgicos; materiais elétricos e eletrônicos; produtos têxteis; calçados e couro; suco de laranja.

*** Compreende: comércio de navios e aeronaves para tráfego internacional; comércio de plataformas de perfuração em águas internacionais; fornecimento de combustíveis, lubrificantes, alimentos e outros produtos, para abastecimento/manutenção ou consumo de bordo; bens de migrantes; doações; movimento de lojas francas.

Fonte: Ministério da Economia, Comércio Exterior e Serviços – Séries Históricas – Blocos e Países. Disponível em http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/series-historicas, acesso em 20/03/2019.

A tabela 3 mostra significativa alteração na pauta exportadora brasileira, com ampliação das exportações de produtos primários (explicando a liderança da China como principal destino) e perda de aproximadamente dez pontos percentuais nas exportações de produtos industrializados (podendo explicar, parcialmente, o elevado nível de desemprego no Brasil).

Pode-se concluir, portanto, que as relações comerciais Brasil – Mercosul se ampliaram no século XXI, muito mais pela maior segurança proporcionada pelo Protocolo de Olivos do que por ação mercadológica ou política. No entanto, o Mercosul permanece uma parceria importante para o Brasil, porém, a característica do bloco como União Aduaneira necessita ser revista, uma vez que os membros do bloco são impedidos de realizar acordos bilaterais separadamente, limitando as negociações com países/blocos que queiram realizar acordos mais específicos.


Francisco Cassano

Francisco Américo Cassano é doutor em Ciências Sociais e Relações Internacionais, professor pesquisador de Relações e Negócios Internacionais na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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