ColunistasRoberto Borges Kerr

A TAXA SELIC EM UM ANO ATÍPICO

Na última quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (COPOM), que foi instituído em 1996 e é formado pelo presidente do Banco Central, atualmente Roberto Campos Neto, seus diretores e alguns chefes de departamentos, decidiu manter a taxa meta Selic em 2% ao ano, causando alguma surpresa entre os analistas, dada a recente aceleração da inflação. Voltaremos a este assunto a seguir.

É interessante distinguir entre a meta da taxa Selic (Selic Meta), definida pelo Copom, da taxa Selic, determinada pela média ponderada das operações no mercado aberto (taxa Selic) entre o Bacen e as instituições financeiras, ou seja, da taxa determinada pela lei de oferta e procura. O Copom é responsável pelo estabelecimento da meta da taxa básica de juros da economia.

O órgão que centraliza todas as operações com títulos do governo é o Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) que, por dispor de todas as informações, calcula a taxa média ponderada diária das operações no mercado aberto. Não surpreende que essa taxa, calculada pela Selic, tenha recebido o nome de taxa Selic.

Nas reuniões do Copom que ocorrem a cada 45 dias, estabelece-se a meta para a taxa Selic. A mesa de operações do Bacen procura atuar nos leilões do mercado aberto para atingir essa meta. Após a reunião do comitê, cerca de uma semana depois, publica-se uma ata da reunião. Essa ata costuma ser lida com atenção pelos diversos agentes econômicos, com intuito de entender o que foi discutido.

A taxa Selic costuma ser informada em termos efetivos anuais (a taxa é anualizada) e, como é uma taxa diária que incide apenas nos dias úteis, o Bacen estabelece que um ano tem 252 dias úteis para efeitos de cálculo.

Interessante notar ainda que a taxa Selic Meta pode não coincidir exatamente com a taxa Selic efetiva resultado da média ponderada das operações do dia, mas uma é bem próxima da outra, como seria de esperar.

A Selic é a taxa básica de juros da economia, influencia todas as outras, mas entre as taxas cobradas pelas instituições financeiras, há uma diferença, que costuma ser razoavelmente grande no Brasil. Essa diferença entre a taxa básica e as taxas praticadas é denominada de spread bancário.

A palavra spread vem do inglês e significa, em português, extensão, largura, envergadura. A palavra é utilizada no mercado financeiro com o sentido de extensão (distância) entre duas taxas de juros. Portanto, quando se fala em spread bancário, geralmente, refere-se à distância entre a taxa básica (Selic) e as taxas praticadas pelos bancos.

Uma redução, ou aumento, na taxa básica não implicará automaticamente em uma redução, ou aumento, das taxas de juros cobradas do consumidor pelos bancos. Isso porque vários fatores estão envolvidos na determinação do spread bancário além da taxa básica de juros. Alguns dos fatores importantes nessa determinação são o percentual de depósitos compulsórios exigidos pelo Bacen, a carga tributária incidente nos empréstimos, o risco de inadimplência e o grau de concorrência existente no mercado financeiro.

Mas o que tem a taxa básica de juros da economia, a taxa Selic, a ver com inflação, como mencionamos no parágrafo de abertura?

Para responder a essa pergunta, primeiro vamos falar um pouco de inflação, o que é inflação? Em uma definição informal, inflação é um aumento generalizado dos preços de uma economia, ou seja, a perda de poder aquisitivo da moeda. Deflação, nessa definição, seria exatamente o contrário, uma redução do nível geral de preços da economia, com um aumento do poder de compra da moeda.

A consequência direta da definição de inflação como sendo o aumento do nível geral de preços é definir um índice (ou média ponderada de preços individuais) que sirva para mensurar a variável inflação. No Brasil, o índice oficial de preços usado para medir a inflação é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) calculado pelo IBGE. Lembrando que, por ser uma média ponderada de preços individuais, o índice é apenas uma das possíveis métricas para medir a inflação de um período.

O governo tem adotado o sistema de metas de inflação e o centro da meta decidido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para 2020 é de 4% a.a. podendo variar 1,5% para mais ou para menos, portanto o máximo (teto da meta) seria de 5,5% a.a. e o mínimo (piso da meta) seria de 2,5% a.a.

Quando o governo deseja reduzir a inflação, o Bacen, que é o órgão encarregado de operar a política monetária, pratica uma política monetária restritiva, cujo objetivo é reduzir o crescimento da quantidade de moeda em circulação. Em outras palavras o Bacen busca diminuir a quantidade de moeda em circulação com o intuito de desaquecer a economia e evitar a inflação. O inverso também é verdadeiro.

Os instrumentos mais usuais de que o Bacen dispões para executar a política monetária são:

  1. Recolhimento de compulsórios (aumentar ou diminuir os depósitos compulsórios e, consequentemente, a liquidez);
  2. Operações de open Market (aumentar ou diminuir a oferta de títulos do governo e, consequentemente, retirar ou aumentar a quantidade de moeda em circulação na economia);
  3. Políticas de redesconto bancário e empréstimos de liquidez (alteração das taxas de juros cobradas, alteração dos prazos de liquidação das operações, fixação de limites de redesconto, restrição dos títulos aceitos como garantia).

O objetivo principal da política monetária é, em resumo, o controle da liquidez global do sistema econômico do país. O instrumento mais usado pelo Bacen tem sido as operações de Open Market. O processo de colocação de títulos da dívida pública no mercado financeiro retira moeda de circulação e, portanto, reduz a liquidez da economia, reduzindo a inflação. Quanto mais títulos lançados, menor a liquidez, menos dinheiro na economia e maior a taxa de juros (lei de oferta e procura). Dentre os instrumentos de política monetária, este é o que mais rapidamente causa os efeitos desejados.

Voltando ao nosso parágrafo inicial, a surpresa de alguns analistas com a manutenção da taxa básica em 2% a.a. foi porque a inflação, que parecia domesticada, voltou a assustar nesse fim de ano de pandemia principalmente em itens como alimentação (provavelmente por causa do auxílio emergencial) e energia (por causa da bandeira vermelha). O IPCA de novembro teve alta de 0,89% e foi o maior porcentual para o mês desde 2015. O próprio Bacen alterou suas projeções para a inflação de 2020, de 3,1% para 4,3%, portanto um pouco acima do centro da meta, embora dentro da margem de variação. A expectativa do mercado, medida pelo Boletim Focus, em junho apontava para uma inflação este ano não superior a 1,6%, agora ninguém espera menos do que 4%.

O que causou este aumento de inflação? Esta pergunta tem várias respostas. Sem dúvida a pandemia desorganizou a economia e, na retomada da economia muitas empresas foram apanhadas com estoque baixo demais, a pressão de demanda empurrou os preços para cima. As commodities, cotadas em dólares, também tiveram alta com a subida do dólar. O auxílio emergencial que despejou R$270 bilhões na economia também é uma das causas.

A lógica esperada por alguns dos analistas, os mais assustados, seria o Copom subir a taxa básica de juros já, para frear o movimento inflacionário. Na realidade o mercado financeiro já está trabalhando com uma expectativa de alta dos juros em 2021. Alguns analistas esperam uma subida dos juros em meados do ano outros já esperam a elevação de juros na próxima reunião do Copom em janeiro.

O Bacen, entretanto, acredita que os fatores que determinaram essa alta de preços tendem a arrefecer agora, o auxílio emergencial deve desaparecer, ou ser muito reduzido agora, no início do próximo ano, a alta das commodities agrícolas perderá força e isso causará uma queda da cotação do dólar (esse fenômeno já está acontecendo, então talvez os analistas do BC estejam certos mesmo), por último a reorganização da economia reativará as cadeias de suprimento tirando essa pressão dos preços também.

O Brasil está passando por um momento único em sua história de juros, é a primeira vez que os juros reais, juros nominais descontados da inflação, estão entre os mais baixos do mundo. Nós sempre estivemos no topo de tabela de juros mais altos do mundo. Por isso alguns analistas acham que o Copom foi longe demais ao reduzir tanto os juros. A festa dos juros muito baixos parece ter seus dias contados.

Prof. Roberto Kerr

Relacionados

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Fechar
Fechar