ColunistasPaulo Cesar SilvaSlider

Treinamento ou gerenciamento? Aprenda a identificar a raiz do problema no atendimento ao cliente

Vocês precisam treinar melhor seus funcionários ”, bradam os clientes indignados. Esta é uma manifestação muito comum por parte deles quando recebem um péssimo atendimento. Ou seja, para muitos clientes, o treinamento resolve os problemas advindos de um atendimento ruim. Será mesmo?

O que é mais interessante, porém, é o fato de que não apenas clientes pensem assim, mas dirigentes de muitas empresas fazem discursos semelhantes, achando que um treinamento mais intensivo irá resolver as difíceis situações que envolvem as relações com os clientes.

Para ilustrar melhor essa questão, quero reproduzir aqui uma reclamação que saiu em um jornal diário. Ela é bem didática para o que pretendo discutir. Claro, omitirei nomes verdadeiros, inventando fictícios, tanto da pessoa, quanto da empresa envolvida. Vamos lá.

“Em 26 de maio, viajei de Florianópolis para São Paulo em um voo da XYZ Linhas Aéreas. Ao passar pelo check-in, no aeroporto de Florianópolis, perguntei a um funcionário da companhia se poderia sentar-me ao lado de dois amigos que estavam no mesmo voo. O rapaz, muito mal-educado, respondeu que o momento não era propício para a pergunta. Reclamei com a supervisora da XYZ, que me deu uma folha de papel em branco e pediu que eu registrasse a queixa. Segui a orientação e coloquei meu telefone no final da carta. Mas, para minha surpresa, recebi uma ligação do funcionário que reclamei. O rapaz me agrediu verbalmente e disse que minha queixa o prejudicou. Indignada, enviei um e-mail à XYZ relatando o ocorrido, mas a empresa disse apenas que o caso foi encaminhado à supervisão. Lívia Skedrun. Relações Públicas – Capital”.

Vejam a resposta que o jornal obteve da empresa e o comentário da passageira: “A XYZ Linhas Aéreas informa que investe todos os seus esforços e finanças para oferecer o melhor treinamento aos seus funcionários. A companhia afirma que o comportamento do funcionário citado por Lívia Skedrun não é comum em seu quadro funcional. A empresa acrescenta que já tomou as medidas cabíveis em relação ao atendente. Lívia Skedrun diz que a XYZ deveria investir mais no treinamento de seus funcionários para evitar que casos como esse se repitam”.

Não vou aqui nem me prolongar no fato do funcionário em questão estar com o telefone da passageira e haver ligado para ela, o que denota uma falha gravíssima no trato e nos procedimentos quanto às reclamações dos passageiros. Lamentável!

Notem que curioso.  Não apenas a empresas enxerga o treinamento como base para um atendimento eficaz, mas a própria passageira, vítima do infortúnio, manifesta e recomenda à empresa que invista mais em treinamento para que situações como essa voltem a acontecer!

Qual o poder de um treinamento? Treinamento é uma ferramenta de aprendizado que tem sua eficácia comprovada quando se destina a transmitir um conhecimento específico ou uma habilidade determinada. Porém, a experiência tem demonstrado ser pouco eficaz no campo da transmissão de atitudes e de comportamentos esperados.

Convido o leitor para fazer o seguinte exercício. Vamos supor que em vez de a nossa passageira Lívia fosse a esposa de um diretor da própria XYZ que estivesse embarcando e ela fizesse ao funcionário (que sabia antecipadamente quem era a ilustre passageira à sua frente) a mesma solicitação de mudança de assento na aeronave, qual você acha que seria a atitude desse funcionário? Atenderia prontamente e com muita simpatia a solicitação, seria a sua resposta, não é mesmo? Bem… então o problema não foi de conhecimento e nem de habilidade de atendimento. O funcionário sabia atender bem. Ele apenas não viu necessidade dessa prática com a passageira Lívia, ou melhor, ele não quis atender bem. Então, o problema não está em “saber”, coisa que o treinamento resolve, mas em “querer”, coisa que o treinamento não resolve.

Essa questão ou diferença é bem sutil, mas é importante o seu entendimento. Como eu disse, não me importo muito quando os clientes atribuem às deficiências de treinamento diante de um atendimento ruim, porém me incomoda muito quando gestores insistem nesse discurso. O problema não está no treinamento ou na falta dele, mas na forma como as operações que envolvem clientes são gerenciadas. Algum gestor estava preocupado quanto a forma com que os passageiros estavam sendo tratados?  Se a passageira não tivesse reclamado, algum gestor teria se importado com as atitudes do funcionário? Haveria alguma consequência em se atender mal? Um atendimento nota dez e um nota dois faria diferença para o gestor?

Está evidente que o caso aqui relatado mostra claramente um problema de gestão e não uma deficiência de treinamento. Quem faz um funcionário “querer” atender bem é um gestor engajado e comprometido com a excelência em serviços e que faz o seu papel, não apenas olhando para o resultado final, mas se importando muito com a forma de como esse resultado está sendo construído!

Paulo Cesar Silva
Paulo Cesar Silva,  é consultor de empresas na área de gestão de serviços e excelência na satisfação do cliente da Mais Cliente. Professor da ESPM, atuou por mais de vinte anos nas áreas de vendas e marketing em funções gerenciais de empresas como: Xerox do Brasil, Kodak, Pantanal Linhas Aéreas, etc. Foi aluno e pesquisador do Núcleo de Análise Interdisciplinar de Política e Estratégia da USP.

Relacionados

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Fechar
Fechar