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IMPACTOS DO CONFLITO UCRÂNIA X RÚSSIA NAS RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS

Em artigo publicado em 22/07/2014,  na revista digital Congresso em Foco (https://congressoemfoco.uol.com.br/area/mundo-cat/a-crise-ucrania-x-russia-uma-serie-de-efeitos-colaterais/), comentamos sobre os efeitos colaterais que a possibilidade de um acordo de cooperação entre a Ucrânia e a  União Europeia – UE  traria para as relações econômicas internacionais.

Naquela oportunidade, esse acordo foi rejeitado pela população ucraniana, acarretou a deposição do seu governante e uma nova eleição. Ato contínuo, a Rússia decidiu intervir para manter a Ucrânia sob controle e estimulou a integração da Criméia, que era uma república ucraniana autônoma, à Federação Russa. Para isso houve referendo favorável do parlamento regional da Criméia, mas o governo ucraniano não reconheceu poder a esse parlamento.

Surgiram, assim, acirramentos de conflitos separatistas e os seguintes efeitos colaterais imediatos:

  • Retomada das práticas usadas no período da Guerra Fria: Ucrânia – apoiada pelo ocidente – acusando a Rússia de patrocinar os rebeldes ucranianos; a Rússia acusando o novo governo ucraniano de punir indevidamente os separatistas;
  • Os Estados Unidos – EUA e a UE impondo sanções à Rússia, a fim de garantir os princípios do direito internacional e da Carta das Nações Unidas;
  • Um acidente com avião comercial da Malásia, atingido por um míssil supostamente lançado por separatistas ucranianos apoiados pelos russos, ampliou as sanções aplicadas à Rússia e esta ameaçou reagir, provocando impactos na economia global com repercussão nos preços internacionais das principais commodities.

Importante frisar-se que o quadro apresentado acima ocorreu em 2014 e volta agora, ao cenário internacional, com efeitos colaterais ainda mais preocupantes para o conjunto das relações internacionais.

Entender os motivos que causaram o retorno desse conflito de causas políticas, será o nosso desafio, porém, como há envolvimento com questões econômicas importantes, também abordaremos esse aspecto na nossa análise.

Inicialmente cabe entendermos a configuração geográfica da região em conflito para melhor visualizarmos os interesses geopolíticos existentes. Na figura 1, a seguir, percebe-se a existência de um robusto cinturão de proteção denominado Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, cujo objetivo atual é garantir a política de segurança dos países integrantes da organização. Sinalizados em vermelho estão os países europeus ocidentais que, a partir de 1949, se reuniram em aliança para inibir o avanço socialista na Europa (além dos países europeus ocidentais fazem parte da OTAN os EUA e o Canadá), e, em marrom estão sinalizados os países que foram signatários, em 1955, do Pacto de Varsóvia (junto com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, se organizaram para proteger o regime socialista), e que se juntaram à OTAN após o fim da URSS e a dissolução do Pacto em 1991.

Com essa nova configuração territorial da OTAN, a Ucrânia passou a ter um considerável papel geopolítico, sendo atraída pela UE para integrar esse bloco e, com isso, inibir possíveis tentações expansionistas por parte da Rússia.

Figura 1 – OTAN NA EUROPA

Fonte: Rússia x Ucrânia: quem é quem na guerra, 2002. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2022/02/25/quem-e-quem-conflito-russia-ucrania.htm

Essa possibilidade de a Ucrânia integrar a UE incomodou significativamente o governante russo, que há algum tempo (como já dissemos no início) busca uma forma de anexá-la ao seu território.

Além do considerável papel geopolítico, a Ucrânia possui, também, outro considerável papel geoeconômico. A sua economia é diversificada, com indústrias avançadas na siderurgia e na produção de locomotivas, de tratores, de produtos químicos; no setor de mineração fornece carvão, manganês, enxofre, além de possuir reservas de gás natural e de petróleo; no setor agrícola possui o chamado “solo negro”, caracterizado pela riqueza em humus e que torna o solo fértil para a produção de grãos, sendo por isso denominada de “celeiro da Europa”. A figura 2 mostra a rede gasodutos europeus, com destaque para o conjunto que está instalado na Ucrânia e sobre o qual a Rússia (que é a principal fornecedora de gás para a Europa) deseja ter controle total. Dado esse significativo papel geoeconômico, a Ucrânia se torna importante para a economia europeia e provoca no governo russo o desejo de anexá-la ao seu território.

 

Figura 2 – MAIS IMPORTANTES GASODUTOS DA EUROPA

Fonte: Rede Europeia de Operadores de Sistemas de Transporte de Gás, 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60623903

 

No entanto, os interesses geopolítico e geoeconômico dos russos não podem ser satisfeitos através de uma invasão ou tomada de território e tal atitude exigiu ação imediata da Organização das Nações Unidas – ONU. Essa ação imediata se tornou ainda mais necessária ao se considerar que um dos lados possui significativo arsenal de armamento nuclear. Convém lembrar, também, que em 1994 a Ucrânia devolveu, para Moscou, todo o armamento nuclear deixado em seu território pela ex-URSS.

Este conflito bélico com consequências perversas para todos, inclusive para países como o Brasil que estão mais distantes do fato, mostra a vulnerabilidade do sistema internacional e a necessidade de a ONU dispor de mecanismos inovadores capazes de evitar conflitos e de minimizar os riscos beligerantes (porém, isto nos parece utópico).

Diante da falta de acordo entre os governantes e da invasão russa ao território ucraniano, e para amenizar os impactos que uma ação militar de grande porte ocasiona, não restou outra saída para a ONU a não ser a aplicação de fortes sanções econômicas em represália à ação intempestiva do governo russo. E é sobre os efeitos colaterais dessas sanções que vamos agora focar nossa análise.

A questão econômica, decorrente da guerra e das sanções aplicadas ao governo russo, impacta significativamente a economia global seja pela instabilidade nos sistemas de preços face à escassez de produtos/serviços essenciais (alimentos, fertilizantes e energia, principalmente) como pela ameaça de suspensão dos contratos de fornecimento de longo prazo.

Para o Brasil, que possui importantes relações comerciais com a Rússia e a quem mais interessa esta análise, as sanções aplicadas aos russos poderão causar efeitos colaterais desfavoráveis (principalmente com a diminuição da oferta de fertilizantes, o aumento dos preços de petróleo/gás, o aumento de preços generalizados, o desabastecimento de insumos externos, o aumento da taxa de juros) e favoráveis (obter aumento nos preços de seus produtos exportáveis, atuar como fornecedor alternativo para países carentes de suprimento, melhorar a balança deficitária em US$ 4,1 bilhões a favor da Rússia, ampliar a produção de fertilizantes com investimentos externos).

 

ORIGEM US$ BI %
RÚSSIA 3,50 23,1
CHINA 2,10 13,9
CANADÁ 1,18 7,8
EUA 0,85 5,6
TOTAL 7,63 50,4

 

Figura 3 – IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS ADUBOS E FERTILIZANTES – 2021

Fonte: Importações de Adubos e Fertilizantes, março de 2022. Disponível em: https://www.fazcomex.com.br/blog/importacoes-de-adubos-e-fertilizantes/

 

Os dados da figura 3 contribuem para melhor entendermos a difícil situação em que se encontra o governo brasileiro na área dos fertilizantes:

  • O Brasil em 2021 importou US$ 15,136 bilhões em adubos e fertilizantes, sendo que a Rússia foi o seu principal fornecedor com aproximadamente 23% do total importado;
  • Considerando-se que o Brasil seja o 4º maior consumidor mundial de fertilizantes (China, Índia e EUA, na ordem, seriam os três primeiros) e o maior importador mundial dessa categoria de produto, percebe-se a representatividade desse mercado e a dificuldade em se obter fornecedores alternativos confiáveis (o Canadá seria uma alternativa a ser conquistada, mas isso não se viabiliza no curto prazo);
  • Em 2021 as importações totais brasileiras originárias da Rússia totalizaram US$ 5,7 bilhões e os fertilizantes representaram 61,4% desse valor, o que denota uma forte dependência brasileira e que não se altera facilmente a não ser com produção própria.

Pelo exposto, espera-se ter deixado claras as motivações geopolítica e geoeconômica que causaram o atual conflito, e, principalmente, as consequências econômicas geradas e que poderão ainda ser causadas caso o conflito perdure por mais algum tempo. A situação brasileira não é confortável, como não poderia deixar de ser, mas, caso haja equilíbrio e bom senso, há possibilidade para se buscar alternativas que possibilitem a superação das dificuldades existentes.

 

São Paulo, 22/03/2022

 

Prof. Dr. Francisco Américo Cassano

Doutor em Ciências Sociais – concentração em Relações Internacionais, Professor e Pesquisador dos temas Internacionalização de Empresas e Relações Econômicas Internacionais.

 

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