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As organizações e a transformação digital na prática: Como fazer direito?

Por Rodrigo Pimentel*

Saí ontem para comprar um tênis em um shopping perto do escritório. Necessidade antiga, adiada por meses. Meu tênis está um trapo e já não deve aguentar mais duas partidas…

Era quase meio-dia. No caminho, vi patinetes, bicicletas amarelinhas, coloridas, e comecei a divagar sobre o fato de talvez estar perdendo tempo, enquanto poderia simplesmente sacar algum app do meu celular, ir de Uber e voltar mais rápido… mas aí concluí que uma caminhada na hora do almoço seria boa para mim. “Escolha saudável”, pensei.

O fato é que, de fato, perdi tempo. Ao chegar ao shopping, vi que a maior loja de calçados estava fechada e os preços que encontrei nas que estavam abertas eram muito mais altos que nos sites que eu rapidamente tive a oportunidade de verificar. E lá estava eu pensando em transformação digital novamente, refletindo sobre tudo o que está por trás do patinete. Da bicicleta amarela. Da loja de tênis.

Lição aprendida, pois essa é a nossa vida em 2019.

Nessa mesma pegada, duvido muito que, no mundo corporativo em que vivemos, de todas as reuniões das quais você participa ao longo da semana, o tema transformação digital não apareça em pelo menos três ou quatro, em discussões das mais diversas áreas. Você não está sozinho: transformação digital é o conceito que não sai da cabeça da mais alta gestão das organizações – muito embora não seja um conceito novo.

Há algum tempo, quando as demandas da indústria 4.0 surgiram, as mudanças exigidas ainda eram muito incipientes, etéreas, ninguém além de empresas de tecnologia (as realmente nativas digitais) sabia direito o que considerar, quais tendências seguir, se havia modelos ou benchmarkings possíveis de ser replicados nos mais diversos tipos de negócio. E ainda não havia mesmo. As companhias estavam tateando no escuro enquanto o perfil de seu consumidor mudava rapidamente (exigindo que ela se transformasse ao menos da porta para fora) e, conforme os anos foram passando, o perfil da sua própria força de trabalho começou a mudar, exigindo que a organização se transformasse também da porta para dentro.

E foi aí que a transformação digital pegou o mercado de surpresa.

De repente, companhias dos mais diversos segmentos viram-se às voltas com uma espécie de atualização do sistema que fora adiado por tempo demais e que agora urgia. O que antes parecia uma escolha passou a ser um vai-ou-racha dentro do mercado. É mudar ou desaparecer.

O que as empresas estão dolorosamente começando a perceber, contudo, é que transformação digital não se trata somente de tecnologia, porque ela é um recurso secundário no todo. Para uma empresa se transformar digitalmente ela precisa investir nas pessoas que vão selecionar – e operar – sua tecnologia. As pessoas, sim, são o recurso primário que a levará a um novo patamar. Ao observar o mercado, as organizações que estão na frente nessa corrida claramente identificaram a necessidade de mudar a forma como operam de dentro para fora, a necessidade de rever seu próprio propósito antes de se jogar no mercado como empresas digitalmente transformadas. Afinal, estamos em 2019, em meio à era da experiência, e as aspirações das pessoas mudaram. E se são elas que efetivamente trazem o olhar que identifica as novas demandas e pensam em formas de transformar um negócio, é nas pessoas que as empresas devem pensar primeiro se quiserem se transformar digitalmente.

O estudo mais recente da Deloitte tem justamente esse foco e fala da importância de se investir em pessoas e em sua capacitação. Após ouvir mais de dois mil executivos, de 19 países – incluindo brasileiros -, que representam empresas com receita de mais de R$1bilhão, a pesquisa “Sucesso Personificado na Quarta Revolução Industrial: quatro personalidades de liderança para uma era de mudança e incerteza” aponta que o avanço do conceito da Indústria 4.0 no país ainda é tímido, centralizado em grandes corporações, e que os desafios mais complicados são os que tangem às pessoas. Os resultados mostram que 54% dos entrevistados no Brasil afirmam ter dificuldade em conquistar talentos com as competências necessárias para as fábricas alinhadas com o conceito 4.0 –  no mundo, essa porcentagem cai para 48%. A falta de profissionais com conhecimento tecnológico e demais competências é destacada por 38% dos entrevistados. Além disso, o estudo revela um problema estrutural no sistema de educação. Apenas 29% dos entrevistados acreditam que o atual sistema educacional preparará suficientemente os indivíduos para que eles possam atuar neste cenário. Por outro lado, cerca de somente 28% afirmaram ter treinado seus colaboradores para atender às demandas dessa revolução.

Vê-se, então, que o movimento é urgente e que ele deve ser baseado na capacitação dessas pessoas que não vêm prontas da escola ou da faculdade. Muitas empresas hoje em dia já acordaram para isso e deixaram de considerar apenas currículos com os nomes de grandes universidades e MBAs na hora de contratar um talento. Porque elas sabem que os tempos são outros e que ter a oportunidade de gerar conhecimento dentro de casa através de treinamentos, mentoria e acompanhamento de uma liderança forte e preparada pode gerar muito mais resultado. Segundo a Associação Brasileira de Startups, para atrair mão de obra, as organizações passaram a considerar mais diplomas de cursos técnicos. Cargos como desenvolvedores de softwares, antes reservados para graduados em Ciência e Engenharia da Computação, agora estão abertos para profissionais com formação técnica, apesar de estarem entre os mais estratégicos na área de tecnologia. Em paralelo, isso também é visto expressivamente em empresas gigantescas, que não agem desta forma porque são boazinhas, mas porque estão lá na frente quando se trata de identificar tendências que vão mudar o mundo e sabem que o que muda o mundo são as pessoas. E se a iniciativa funciona no macro, por que não trazê-la para o micro? É uma questão de escala.

Porém, o fato de grandes corporações estarem recrutando a partir de outros critérios não significa que os processos sejam mais fáceis nessas seleções. O ponto é que as organizações entendem que o mais valioso em um profissional não são os cursos que ele fez, ou os diplomas que possui, mas as soft skills – ou “habilidades interpessoais” – que a pessoa possui e que sejam relevantes para o cargo e à cultura que ela pode vir a viver naquela empresa. Assim, se de um lado as empresas reduzem as exigências relacionadas à graduação, de outro elas buscam identificar competências técnicas, comportamentais e analíticas que a vaga exige. E, uma vez contratados, os novos colaboradores são submetidos a treinamentos direcionados a complementar gaps de conhecimento prático. Para se ter uma ideia, o Google – que foi uma das primeiras grandes corporações a aderir a esta tendência em recrutamento – não exige graduação para vagas efetivas desde que o candidato tenha experiência prática na função; na Stone, um dos unicórnios brasileiros, é a mesma coisa, e na PwC também, sendo que todas elas operam consistentes programas de desenvolvimento de profissionais.

Ou seja, quando se fala em transformação digital, olhar para as tendências e para o que está dando certo por aí é essencial. E o que dá certo? A soma de pessoas, capacitação e uma leitura 360º do negócio, que considere tanto seu público interno quanto às demandas que ele pretende atender. Portanto, aproxime-se de suas equipes, entenda suas necessidades, reveja seu propósito se for o caso. É fundamental direcionar os esforços para melhorar o olhar para o seu colaborador. Afinal, ele é o fator mais importante da equação que vai permitir que sua empresa se transforme digitalmente de verdade.

* Rodrigo Pimentel é CEO da Afferolab

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