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A Névoa do Não Essencial e as Suas Potencialidades

Até “pouco” tempo atrás todo o conhecimento cabia em uma sala.

Falar que o nosso mundo está cada vez mais complexo já não parece evidenciar o momento em que estamos vivendo. Nunca, na história da humanidade, tantos avanços estiveram tão agrupados em um recorte de tempo tão curto.

Todo esse movimento, sem dúvida, nos trouxe grandes avanços, mas também muitas contrapartidas… duas delas, a angústia de não estar a par de todo esse progresso e a incapacidade de conseguir absorver de forma plena essas conquistas.

Isso é uma novidade recente em nossa história como seres humanos. Até “pouco” tempo atrás todo o conhecimento cabia em uma sala.

Quando começamos a pensar sobre a perspectiva evolutiva de nossa espécie, o nosso corpo, se entendido como uma máquina, vem sendo programado e ajustado para e por uma relação com o seu ambiente há milhares e milhares de anos – um processo lento e gradual.

Hoje (últimos 100 anos), o “ambiente” está mudando muito mais rápido do que a capacidade da “máquina” de mudar, ou melhor, do nosso corpo se adaptar.  Isso traz e impõe a questão sobre como usar uma máquina que pode não mais estar dando “conta do recado”, pelo menos sob a perspectiva de velocidade de resposta, a essa nova realidade.

Li, recentemente, um artigo[1] que levanta uma dimensão dessa questão ao evidenciar sobre o número de vezes que mudamos o foco durante o período de um segundo. Fiquei pasmo ao saber que nada menos do que quatro vezes a cada segundo. Isso quer dizer que ao longo de um minuto “perdemos” o nosso poder de foco em uma dada tarefa 240 vezes!

De acordo com essa matéria, os pesquisadores contextualizaram essa dinâmica como sendo parte de um de nossos mecanismos que, inclusive, nos permitiram sobreviver a todos os perigos que poderiam ter eliminado a nossa presença neste planeta.

Enquanto estávamos de olho na fruta para nos alimentarmos, o nosso cérebro “perdia” o foco para “olhar” para o ambiente e ver se não havia nenhum predador à nossa espera… um mecanismo importante e interessante.

Ao ler o artigo, não pude evitar de pensar sobre como dar significado a esse instrumento em um mundo onde não somos cobrados apenas para realizar duas tarefas, mas sim três, quatro, cinco…

Como é possível permanecermos focados em uma dada tarefa, quando fomos programados para “perder” o foco de forma sistemática?

Se formos parecidos, muito provavelmente, você, assim como eu, sabe e procura evitar fazer “multitasking” em combinações de tarefas que competem entre si, onde a atenção consciente e individualizada é necessária.

Ter lido essa matéria reforça essa minha escolha. Além disso, ela me ajudou a pensar, ou melhor, avançar ainda mais sobre a minha decisão de filtrar com muito cuidado a quantidade e relevância dos estímulos que entram em meu campo de visão e radar.

Contudo, por mais que seja interessante fazer esse esforço de “peneirar” o ambiente, atualmente a complexidade está de tal forma que me vejo constantemente nessa névoa de – coisas – não essenciais que dificulta profundamente a (1) navegar pelo mercado com o meu negócio e (2) tomar boas decisões com um maior grau de segurança.

Juntando todas essas peças: foco fragmentado, névoa de coisas não necessariamente essenciais que nos acompanha e imposição de decisões velozes e corretas, a pergunta que você deve estar se fazendo é a mesma que a minha: como sair do ponto A para o ponto B diante de um contexto tão diversificado sob a perspectiva da nossa capacidade de ver e permanecer focado?

Se, quando “abrimos os olhos” acabamos por enxergar demais, talvez, a resposta esteja em ir na direção oposta: “fechar os olhos”. Ou seja, diminuir drasticamente os estímulos que chegam até nós. Contudo, essa seria uma saída simplista para a complexidade de nosso mundo atual e contrária ao “projeto” de nosso corpo.

Dessa forma, tenho usado uma abordagem que pode ser dividida em duas partes: 1. reconhecer que temos uma capacidade reduzida de permanecermos focados; e 2. entender que ir contra esse mecanismo não é algo muito promissor.

Bom, o que fazer com esses dois pontos?

A ideia aqui é a da não resistência. Quando essa dinâmica fica clara, o resultado é uma mudança na postura sobre o que sei, o que não sei, o que preciso saber e o que devo saber. Na prática, isso nos coloca em uma posição de maior humildade em relação ao mundo.

Esse olhar mais humilde nos permite começar a enxergar através da névoa. Não porque ela não está mais lá, mas pelo fato que passamos a compreender que não damos e nem devemos dar conta de tudo que está ao alcance de nossos olhos. Como resultado, começamos a ser bem mais seletivos sobre para onde olhar e onde investir a nossa energia.

Essa é uma mudança sutil, mas que pode transformar positivamente a nossa realidade. Estamos acostumados com a ideia do “ter que fazer”, mas quando paramos e nos perguntamos “temos mesmo?”, essa dinâmica, que já está no piloto automático, tende a cessar.

A suspensão desse movimento nos (1) livra do peso de termos que prestar atenção em mais coisas que devemos e (2) nos protege de vermos o que não está lá. Com isso, conseguimos vislumbrar a possibilidade de enxergar na neblina somente os dados que fazem realmente sentido para que permaneçamos em nossa jornada sem que o sentimento de angústia pelo excesso nos paralise e/ou nos leve ao erro.

Precisamos assim, acolher a ideia que a neblina não está aqui necessariamente para nos prejudicar. A presença dela é neutra. Cabe a nós entender quem somos diante dessa vasta imensidão e com essa perspectiva, e com tudo o que ela implica, fazer o quê os nossos antepassados faziam ao olhar para o céu: usar algumas estrelas como guias para suas jornadas.

Se formos humildes o suficiente, essa neblina tem o potencial para se tornar o nosso novo céu estrelado. Aqueles que souberem navegá-lo irão encontrar continentes inteiros de novas possibilidades.


[1] https://www.inverse.com/article/48300-why-is-it-hard-to-focus-research-humans?utm_source=pocket&utm_medium=email&utm_campaign=pockethits


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Gabriel Machado – Strategic advisor, escritor e fundador da DODAKHAM.

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