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Marco Civil da Internet e o Bloqueio do Whatsapp

Marco Civil da Internet e o Bloqueio do Whatsapp: Como Equilibrar os Direitos

Ana Cristina Azevedo P. Carvalho (*)

A suspensão do whatsapp no Brasil, por mais de uma vez, fez surgir comparações entre o Brasil e a Coreia do Norte. No entanto, o Brasil é um país democrático, pioneiro pela aprovação da Lei 12.965/14 para regular a internet e consagrou, de forma específica, a liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento na rede, bem como a proteção da privacidade, prevendo regras e procedimentos destinados a garantir o respeito a essas liberdades. Por sua vez, a Coreia do Norte adota um regime socialista (conforme a sua Constituição) não democrático e é famosa pelas restrições impostas à internet, onde o governo bloqueia o acesso a um grande número de websites, inclusive redes sociais. Portanto, diferente da situação na Coreia do Norte, a suspensão temporária do whatsapp no Brasil consistiu em uma punição legal aplicada a essa empresa pelo descumprimento de um dever previsto na Lei 12.965/14, mais conhecida como Marco Civil da Internet (MCI).

Em fevereiro de 2015, a Justiça do Piauí determinou aos provedores de conexão e operadoras de telefonia que suspendessem o whatsapp em todo o Brasil por não colaborar com uma investigação criminal, mas a ordem foi suspensa pelo Tribunal de Justiça. Porém, em dezembro de 2015, nova ordem judicial, desta vez de São Bernardo do Campo, determinou novo bloqueio do whatsapp, por não ter atendido a uma determinação em procedimento criminal que corria em segredo de justiça. Desta vez, o bloqueio ocorreu e durou 12 horas, sendo suspenso pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Em março de 2016, o vice-presidente do Facebook (empresa detentora do whatsapp) passou 24 horas preso por não atender à determinação de quebra de sigilo de mensagens em uma investigação sobre tráfico de drogas, e, em maio de 2016, o mesmo processo originou a ordem para a suspensão do whatsapp em todo o país. A suspensão durou mais de 24 horas e foi derrubada pelo Tribunal de Justiça de Sergipe. O whatsapp afirma não ser possível tecnicamente atender às determinações de quebra de sigilo, tendo em vista a adoção de criptografia ponta a ponta, a qual impede a interceptação do conteúdo das mensagens ali trocadas.

O fundamento legal da ordem judicial para o bloqueio do whatsapp reside no artigo 12, inciso III do MCI, o qual prevê a sanção de suspensão temporária do serviço quando o provedor que presta serviços no Brasil infringir as normas em uma operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações. A Lei é clara no sentido de que o provedor deve respeitar a legislação brasileira quando, pelo menos, uma dessas operações ocorrer no território nacional. O whatsapp é um provedor de aplicações de comunicação para clientes no Brasil, e uma ordem judicial pode requerer a disponibilização do conteúdo de comunicações privadas na forma da lei (MCI, artigo 10, parágrafo 2º). Já o procedimento para a interceptação das comunicações telefônicas, informáticas e telemáticas está previsto na Lei 9.296/96 e é determinado pelo juiz junto com a demonstração de que sua realização é necessária à apuração da infração penal (artigo 4º).

Ora, se o provedor deve respeitar a legislação brasileira, e não apenas o MCI, e a comunicação entre as pessoas, a qual antes se fazia predominantemente pelo telefone, hoje envolve a troca de mensagens de texto e de voz sobre o protocolo da internet, com a utilização de software, a possibilidade de interceptação prevista na Lei 9.296/96 há de ser aplicada ao whatsapp. Este deveria adotar uma tecnologia que, além de segura, também permitisse a quebra por ordem judicial, e assim promoveria o respeito à legislação brasileira.

O direito à privacidade é um dos pilares do MCI e tem status de direito fundamental, previsto no artigo 5º da Constituição Federal e aplicável à internet. Ali estão os direitos e garantias individuais e coletivos, os quais constantemente se chocam entre si. Assim é a série de incisos relativos à privacidade (X, XI e XII), estabelecendo os direitos e trazendo a possibilidade de violação do sigilo de dados e das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Portanto, a privacidade é garantida, mas a prática de um crime põe em risco a vida em sociedade e justifica a quebra da privacidade. Trata-se de verdadeiros sopesamentos, quando os direitos e garantias fundamentais do artigo 5º da Constituição são igualmente importantes, porém, quando se confrontam, inevitavelmente algum terá que prevalecer. É essencial ter direito à privacidade, mas quando a vítima do crime somos nós, logo queremos que a exceção aconteça e as provas sejam coletadas para vermos o criminoso na cadeia. Por isso, é importante que o whatsapp se adapte à legislação brasileira e comporte exceções quando uma ordem judicial determinar.

Por outro lado, a suspensão temporária do serviço não é a única sanção para o tipo de infração cometido pelo whatsapp, havendo também a possibilidade da aplicação de advertência, multa e até a proibição do exercício das atividades do provedor de aplicações. Embora a negativa do whatsapp em atender as determinações judiciais tenha se mostrado um procedimento reiterado, como ora foi exposto, a opção do juiz pela sanção de suspensão temporária do serviço foi exagerada por violar a liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento na rede. Tendo em vista que o whatsapp possui mais de 120 milhões de usuários no Brasil, sua suspensão termina por prejudicar um número muito alto de pessoas, quando outras sanções podem puni-lo de modo mais individual.

Atualmente, as ações ADI 5527 e ADPF 403 questionam a legalidade da suspensão do whatsapp e aguardam decisão do Supremo Tribunal Federal.

(*) Ana Cristina Azevedo P. Carvalho, doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, é professora da Faculdade de Computação e Informática.


Sobre o Mackenzie

A Universidade Presbiteriana Mackenzie está entre as 100 melhores instituições de ensino da América Latina, segundo a pesquisa QS Quacquarelli Symonds University Rankings, uma organização internacional de pesquisa educacional, que avalia o desempenho de instituições de ensino médio, superior e pós-graduação.


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